Ideias erradas e confusão na recusa de vacinas para COVID-19 (19/02/2022)

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Apesar do Mapa da Vacinação do dia 05/02/2022 apresentar uma proporção de 71% de brasileiros totalmente vacinados, há uma movimentação diametralmente oposta dos grupos antivacinas, que reivindicam o direito de não se vacinar.

Por mais assustador que pareça, uma ideia legislativa intitulada “A não obrigatoriedade em tomar esse experimento chamado ‘VACINA CONTRA COVID’” conta com mais de 34 mil apoios no e-Cidadania (portal criado pelo Senado Federal com o intuito de estimular a participação dos cidadãos nas atividades legislativas). A autora da petição escreve: “Dará liberdade para o cidadão poder escolher o que entra em seu corpo. Não é justo ser obrigada a tomar algo que não confio e ser obrigada a isso para viajar, frequentar meu trabalho, escola, universidade, restaurantes, lugares públicos em geral. Quero que a Constituição seja cumprida”. E continua: “Se, ‘a vacina’ imuniza a quem a toma, porquê obrigar quem não quer tomar se ele não passará para ninguém e se somente ele, correrá esse risco?”.

O argumento é comum, mas está errado por vários motivos. O primeiro é que existem pessoas que não podem se vacinar, e dependem da cobertura vacinal da população para se protegerem. Outro, que a vacinação não elimina o risco de contaminação, doença grave e morte, embora o reduza significativamente. Portanto, a presença de não vacinados em grande número é, sim, um risco para membros da maioria vacinada.

Não vacinados também são um campo fértil para a produção de novas variantes do vírus, que podem vir a escapar das vacinas existentes. Para completar, ao adoecer e evoluir para casos graves em proporção muito maior que os vacinados, não vacinados lotam hospitais e sobrecarregam os serviços de saúde.

Infelizmente, essa não é a única súplica esdrúxula sobre vacinas apresentada ao Senado. Há outros autores que acreditam que seus direitos estão sendo suprimidos, caso da ideia legislativa Proibição a escolas de exigirem de crianças comprovante de ‘vacina’ ‘Covid-19’”. Nesta, pede-se que escolas públicas e privadas sejam proibidas de requerer o comprovante de vacina, sob pena de perda do alvará de funcionamento e responsabilização penal dos gestores. O autor da proposta acredita que a prática é um tipo de segregação social (em violação ao artigo 5º da Constituição). O proponente acredita que a vacina expõe “crianças, que são mais frágeis e estão em desenvolvimento, a sérios riscos com uma injeção estranha”.

O texto que tenta embasar a ideia fala de mortes em massa causadas pela vacina – mortes que só existem na cabeça do autor. No Brasil, onde morreram mais de 640 mil pessoas por COVID-19, o número de mortes que têm alguma probabilidade de estarem relacionadas a alguma das vacinas contra o coronavírus era, em novembro do ano passado, 11.

Segundo pesquisa realizada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado (2019) – publicado na “Agência Brasil” – o WhatsApp foi considerado a principal fonte de informações da população brasileira, com 79% dos entrevistados dizendo sempre receber notícias pela rede social. Este dado é particularmente preocupante, visto que o mesmo portal publicou uma pesquisa desenvolvida pela Fiocruz (2020) que constatou que 73,7% das informações e notícias falsas sobre o coronavírus circularam pelo aplicativo.

Vale destacar que a veiculação de informações falsas é uma forma da ignorância estratégica – termo cunhado pela socióloga Linsey Mcgoey que o define como “habilidade de explorar o desconhecimento para ganhar mais poder”. No caso do discurso antivacinas, desacreditar a eficácia da vacinação ao mesmo tempo em que insufla o medo com relação a possíveis eventos adversos – vide nota técnica do Ministério da Saúde que apresentava uma “tabela” que, numa inversão completa da realidade, defendia a eficácia da hidroxicloroquina enquanto indicava a falta de estudos sobre vacinas.

E a tal liberdade que tanto comentam?

O direito à liberdade é um dos preceitos fundamentais presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948. A declaração apresenta 30 artigos, todos extremamente importantes. Contudo, aqueles que tratam das “liberdades individuais” são distorcidos para servir de base para a narrativa antivacina. Caso do Artigo 3, “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, e do Artigo 19, “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

Nossa Constituição também dispõe de artigos que tratam da liberdade, caso do artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. Contudo, vale reforçar que nem todos os direitos são absolutos: minha liberdade de estender meu punho fechado termina na ponta do nariz da pessoa ao lado. No contexto atual, reivindicar a “liberdade” de não vacinar-se é como reivindicar a “liberdade” de dirigir depois de tomar umas duas pingas.

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Fonte: https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/artigo/2022/02/17/ideias-erradas-e-confusao-na-recusa-de-vacinas-para-covid-19

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